Do cerrado para a economia
Olá, eu sou o Juninho, o lobo-guará. Você já viu um lobo-guará? Sabe o que
sou? Hoje vim contar para vocês sobre como vivemos, onde vivemos e isso aqui
não é o globo repórter.
FIGURA 01 - LOBO-GUARÁ |
FIGURA 02 - LOBO-GUARÁ |
Mas antes eu queria apresentar para vocês meu amigo Mateus Gonçalves:
− Vem cá Mateus, contar pro pessoal quem é você.
− E aí Juninho, como você está? Comendo muita lobeira? (risos) – pergunta
Mateus
− Ah, na medida do possível né, seus amigos humanos tem acabado com nosso Cerrado – responde
Juninho
− Poxa, quanto tempo não te vejo meu amigo – responde Mateus
− Ah, tenho andado desbravando alguns lugares novos, mas tô sempre por
aqui por perto da casa de sua avó. E você? Por onde têm andado e o que tens
feito? – pergunta Juninho
− Olha, atualmente moro em Nova Serrana/MG – depois vou até trazer um
calçado para você – trabalho no CRAS, estou
terminando meu curso de graduação em Pedagogia e faço curso técnico de
administração também. Depois que morei aqui, me mudei para diversas outras
cidades, morei em Minas Gerais e no
Espírito Santo também, mas sinto muita falta daqui da roça e de tudo que vivi
aqui – responde Mateus
FIGURA 03 - MATEUS GONÇALVES |
− A muito tempo você
não vêm por esses lados de cá né? Deve ter até me esquecido – diz Juninho com a
voz embargada
−
Que nada, sempre me lembro de você, inclusive na faculdade. No 3º e 4º período
tive uma disciplina na UEMG, no centro-oeste de Minas, que se chamava Conteúdo
e Metodologia de Ciências, nela aprendemos sobre a biodiversidade e meio
ambiente, sendo nos apresentado as BIONAS...
− Peraí peraí, é bionas ou biomas? É tipo Cerrado, pantanal, pampas? É
tipo isso? – pergunta Juninho
− Não não Juninho, muitas pessoas confundem, mas as BIONAS (bionarrativas
sociais) com “N” são relatos de vivência e experiência do seu contexto
sociocultural, conectando o tradicional e o científico, permitindo o
protagonismo das “vozes anoitecidas". E é nesse contexto que me lembrei de
você lá na universidade. A professora Laís solicitou que a gente fizesse uma
BIONAS, e adivinha de quem eu falei? – pergunta Mateus
− Da Anitta? – responde Juninho
− Eu até sou muito fã dela, é verdade, mas não foi dela não. Eu falei de
você, seu bobo, contei sobre o Juninho que conheci aqui, exatamente nesse lugar
– retruca Mateus
− Fico muito feliz e lisonjeado em saber disso, precisamos deste
protagonismo. Agora que você se apresentou vou falar um pouquinho de mim para
seus amigos.
Meu
nome veio do tupi-guarani “aguara”, que significa pelo de pelugem, e não é à
toa, eu tenho um pelo longo e avermelhado, com partes brancas na parte do
pescoço, das orelhas e da cauda, além disso tenho uma crina dorsal preta, pela
qual também sou conhecido em algumas regiões por “lobo de crina”.
Temos
um paladar bem diversificado por isso somos chamados de onívoros, devido a
nossa variedade de alimentos. Nossa dieta é baseada em aves, insetos, roedores,
pequenos mamíferos e também muitas variedades de frutinhas, temos uma em
especial que devido a nossa grande preferência foi nomeada de “fruta do lobo” e
sua árvore se chama lobeira, em nossa homenagem. E você sabia que nós ajudamos
na reprodução dessa espécie? Sim, sabe essa frutinha que eu acabei de te
contar? A árvore dela é uma das plantas símbolos do Cerrado, e nós lobos todas
as vezes que nos alimentamos dela, através das nossas fezes espalhamos as
sementes por aí. Não é interessante?
Acabei
me empolgando aqui e não contei para vocês sobre a “fruta do lobo”, pra quem
nunca viu, imagine aí: ela tem um aspecto arredondado, é verde e bem dura,
tenho que me esforçar muito para comê-la.
FIGURA 04 - FRUTA DO LOBO |
Falando
nisso, eu gostaria de contar uma história para vocês: lá no norte de Minas
Gerais conheci um garoto muito legal, o nome dele é Mateus, quando a gente se
conheceu ele me confessou que tinha um certo medo de mim, pois sem querer eu
acabava lhe assustando quando ele atravessava mata para ir na escola, porém,
nunca tive essa intenção. Ele me disse também que como ele e seu primo não
tinha uma bola própria para brincar eles acabavam usando a fruta do Lobo como
bola e como ferramenta de entretenimento... era bola para lá, bola para cá, era
bola para todo lado... a velha e boa lobeira, saciando a fome de uns e sendo
diversão de outros.
Vocês sabiam que cerca de 60% da nossa espécie no Brasil está concentrada no Cerrado? Mas também podem encontrar meus amigos nas áreas devastadas da Mata Atlântica, no Pantanal, nos Pampas do Mato Grosso do Sul e também não podemos nos esquecer do Norte de Minas.
FIGURA 05 - ÁREA DE EXTENSÃO DO CERRADO (ADAPTADO DE WWF BRASIL - CERRADO) |
Acho que por isso apareceu uma novidade com nosso nome: em 2020, nossa figura foi escolhida para estampar a nota mais valiosa do Brasil (país que é casa de cerca de 80% de todos os lobos guarás do mundo). Há mais de duas décadas a União Internacional para conservação da natureza nos classificou como ameaçada pelos motivos na qual já te contei logo acima. Nossa população reduziu cerca de um terço nas últimas duas décadas. Em 2001 ficamos em terceiro lugar na pesquisa para as novas cédulas, mas perdemos para tartaruga marinha e para o mico-leão-dourado, que depois se tornaram figuram nas notas de R$ 2,00 e R$ 50,00, respectivamente.
No passado, já
havíamos aparecido em uma moeda brasileira, a de 100 cruzeiros reais, entre
dezembro de 1993 a setembro de 1994, porém, agora nosso prestígio foi bem
maior, como o símbolo da nota mais valiosa e desejada no Brasil, inclusive, eu
fiquei me achando porque a #notade200 e a #loboguara ficaram em primeiro lugar
nos assuntos do momento no TWITTER, me achei a última Coca-Cola do deserto, até
memes fizeram nosso. Fomos notados por vocês
humanos. isso é tão bacana né? Mas até que ponto isso é bom para nossa
espécie e no que ajuda em nossa sobrevivência?
As pessoas ficarão mais sensibilizadas por ter nossa figura estampada na nota?
Além dessa visibilidade nós precisamos de ação, da população e dos governantes,
nós precisamos de ajuda.
FIGURA 06 - NOTA DE R$ 200,00 |
Com
o passar dos anos estamos sofrendo com o grande desmatamento do Cerrado, essas
áreas estão sendo tomadas por grandes setores da economia, nosso Cerrado é
cortado por várias estradas que cruzamos com frequência, pois às vezes pela
falta de planejamento dos humanos e sua ganância por economizar, constroem
estradas retas, deixando a mata de um lado e o lago de outro, inocentemente
quando atravessamos para matar nossa sede, muitos de nós somos atropelados e
mortos por veículos. Alguns pesquisadores preocupados com nossa segurança
cogitam a ideia de criar passagens subterrâneas e redutores de velocidade nas
áreas de maiores riscos de atropelamento.
O Cerrado é nossa casa comum, dos lobos, dos seres humanos e de todas as demais espécies que vivem aqui. Por isso o maior desafio é saber usufruir dessa casa sem prejudicar a existência de alguns de nós. Sensibilizar a população humana para preservar nossa casa comum é compromisso urgente e a homenagem em seu dinheiro não é suficiente. Vamos nos aliar, garantir nossas sobrevivências e cuidar do nosso Cerrado.
Comentários
Enviar um comentário